Kaingang e Guarani

Falta de luz e de água potável afetam o cotidiano das aldeias indígenas de Santa Maria

Falta de luz e de água potável afetam o cotidiano das aldeias indígenas de Santa Maria

Fotos: Eduardo Ramos (Diário)

O ambientalista e escritor indígena Ailton Krenak, em 2014, concedeu uma entrevista sobre comunicação, saúde e visibilidade indígena. No diálogo, Krenak afirma que os povos originários, há muito tempo, deixaram de ser considerados minorias e passaram a compor diferentes setores da sociedade, portanto, tornaram-se muito mais visíveis. Ao longo das décadas, os povos indígenas lutam pela demarcação de terras, educação e saúde de qualidade. O cenário em Santa Maria, não é diferente do contexto nacional. As aldeias Kaingang Kéty Jug Tegtú e Guarani Guaviraty Porã, passam por problemas, em especial, no acesso à saúde e à água potável. 

De acordo com a Constituição Federal de 1988, está garantido o direito aos povos indígenas à saúde, à educação escolar diferenciada, intercultural, multilíngue e comunitária, à moradia e à segurança. Na prática, a situação é diferente da legislação. 


Dificuldade de acesso à água potável na aldeia Caingangue 



O território caingangue em Santa Maria, até 2018, ficava localizado na Rua João Batista Cruz Jobim, no Bairro Nossa Senhora de Lourdes, em uma área particular, próxima à Rodoviária. 

  • Os moradores foram realocados, por pedidos dos donos da área, que solicitaram à prefeitura 
  • A comunidade foi para um terreno na estrada de Canudos, no distrito de Arroio Grande, zona rural do município, onde estão até hoje 
  • Atualmente, conta com 12 famílias, ou 51 pessoas ao todo 

Desde a mudança para o novo local, os moradores passam por várias situações que afetam o dia a dia da comunidade. Em 2019, quando foram realocados, ficaram sete meses sem luz na Escola Estadual de Ensino Fundamental Augusto Ope da Silva, centro de acolhimento de toda a aldeia. Aos poucos, a escola foi sendo reestruturada. Atualmente, conta com banheiros e acesso ao saneamento básico, mas as mudanças foram ocorrendo em ritmo lento e a comunidade ainda continua na luta pelos direitos básicos. A questão da água não é apenas um problema da Augusto Ope da Silva, mas de toda a comunidade. 

Segundo a diretora da escola, Isabel Cristina Baggio, 57 anos, desde 2019, a comunidade usava a água de uma fonte natural, no entanto, alguns problemas de saúde começaram a aparecer. Os moradores uniram-se para fazer um requerimento à Defesa Civil para realizar o abastecimento de água para toda a aldeia caingangue.

– Precisávamos que as autoridades fizessem alguma medida em relação à situação. A partir de então, está sendo fornecido água potável no caminhão pipa da Defesa Civil, uma vez por semana. A água é abastecida nessa caixa ao lado da escola, mas toda comunidade utiliza. 

A situação vivenciada pela aldeia Kaingang Kéty Jug Tegtú é de conhecimento dos representantes do Poder Público. Conforme a Defesa Civil e a Secretaria de Saúde do município, há um projeto em andamento para a abertura de um poço artesiano, que já foi avaliado por técnicos da Secretaria de Saúde e está em fase de ajustes para a finalização. Depois desse processo, será encaminhado para licitação. Após quase quatro anos, toda comunidade terá acesso à água potável, garante os órgãos responsáveis.  

A Defesa Civil começou a levar água quando ocorreu a falta de abastecimento da fonte natural, devido à estiagem. Na resposta concedida pelos órgãos é apontado que o processo para perfuração do poço está em tramitação. 

  • O investimento será em torno de R$ 190 mil, sendo R$ 80 mil, do recurso da saúde indígena, repassado pelo Estado do Rio Grande do Sul, por meio da portaria 360/2023, cujo repasse mensal é de R$ 3 mil 
  • O valor vem se acumulando há alguns anos, e no último plano de trabalho, foi previsto essa demanda. A diferença será complementada por recurso municipal 

O que dizem as autoridades

“O processo para perfuração do poço está em tramitação. O projeto do poço é uma demanda antiga da Defesa Civil. Pelas competências que a superintendência tem de não somente mitigar a necessidade da entrega de água para a comunidade, neste caso específico da aldeia indígena, mas também na ação de resposta e reconstrução da problemática da estiagem, além de buscar apontamentos e soluções dos problemas que o Município enfrenta com a falta de chuvas. E uma das questões é essa, da construção do poço artesiano. Além disso, também foi melhorado o acesso à aldeia, uma equipe da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos executou o alargamento da estrada para que o caminhão pipa pudesse ter acesso ao local”

                                                                            Defesa Civil e Secretaria de Saúde do município 

 

“A Corsan reuniu-se em uma agenda na aldeia, com representantes do Ministério Público, prefeitura e lideranças da comunidade. A localização e a topografia, praticamente, inviabilizam a rede de abastecimento público para lá. Assim, foi acordado que haveria a necessidade de perfuração de um poço artesiano. Então, pela inviabilidade técnica, a Corsan não teria nenhuma interface nessa administração no poço artesiano. A participação da Corsan foi se houvesse alguma necessidade de orientar e auxiliar, em algum determinado momento”

                                                                            Superintendente regional da Corsan, José Epstein 

Verbas do programa Agiliza Educação 

A Escola Estadual de Ensino Fundamental Augusto Ope da Silva, de estrutura de madeira na cor verde, que chama atenção de quem chega à comunidade, está entre as cinco instituições de ensino de Santa Maria em situação de urgência. O local atende 22 alunos, desde a pré-escola aos anos finais do Fundamental, além de turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), e conta com sete professores. O estudo oferecido é multicultural bilíngue, com a alfabetização do português e da língua materna, o Caingangue. Além do ensino e da prática de valorização da cultura.  

Pelo Programa Agiliza está sendo destinado R$ 30 milhões para as escolas apresentadas pelo levantamento. Desse valor, R$ 25 milhões vão para as 2.341 instituições de ensino do Estado e R$ 3 milhões vão ser repassados para os 176 colégios classificados em situação de urgência.

  • Segundo a diretora Isabel Baggio, a escola recebeu, em 2023, pelo programa Agiliza, do governo do Estado, R$ 8.951,55 para a manutenção e R$ 1.048,05 para a compra de materiais permanentes, como mobiliário para a cozinha, por exemplo. 
  • Já em 2022, foram disponibilizados R$ 28.859,71 para a manutenção, e R$ 7.214,93, para a compra de materiais. O valor do ano passado é, em média, três vezes maior que o disponibilizado em 2023
  • Entre as melhorias já feitas, estão a reforma dos guarda-corpos dos corredores das salas e o portão de entrada. Os próximos passos são fazer uma cobertura até o banheiro e a pintura do mesmo
  • Como a escola é usada como referência para toda a aldeia, o sonho da comunidade é uma estrutura de alvenaria. A ideia inicial é começar com um anexo de tijolos, para realocar a informática e a biblioteca. No entanto, com os recursos disponibilizados até o momento, outras reformas vão sendo priorizadas para melhorar o cotidiano dos alunos 


Falta de luz na Unidade de Saúde

Em frente a Escola Augusto Ope da Silva, fica a Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI) da aldeia. Com a estrutura de madeira, assim como a instituição de ensino, o posto tem atendimento de uma enfermeira e de uma técnica de enfermagem. Nos dois cômodos são atendidas as 12 famílias indígenas caigangue. O problema da Unidade, além da água potável, é a falta de luz elétrica. 

Em dias de chuva, que anoitece mais cedo, as profissionais precisam usar lanternas do celular para realizar os atendimentos. As fichas ou alguma documentação que precisa ser impressa são feitas na escola. Os atendimentos odontológicos não podem ser realizados no posto, por causa da falta de luz. O poste para o fornecimento da eletricidade já foi instalado, mas por enquanto, ainda não foi ativado.

A enfermeira Francely Alves, 38 anos, é do Amazonas e atua como enfermeira na Unidade da comunidade indígena. Ela comenta que a liderança corre muito atrás para fazer o melhor pela aldeia.

– Os órgãos responsáveis já vieram aqui na aldeia. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que aqui no Estado, fica na cidade de Passo Fundo, já mandou representantes para avaliar a situação. Mas mesmo com todas essas questões, realizamos o nosso trabalho, com a energia elétrica podemos melhorar e ajudar a aldeia.  

O que dizem os órgãos responsáveis 

“A RGE informa que após o recebimento da documentação necessária deu andamento ao pedido de ligação na Aldeia Kaingang Kéty Jug Tegtú (Três Soitas), com previsão de ligação para até o dia 05 de maio. Para ligação nos demais locais a RGE aguarda pelas documentações necessárias”

                                                                                                                                                      RGE*

“Foram solicitados dois pontos para ligação de energia: Um para o espaço em saúde da aldeia Kaingang e outro para a aldeia Guarani. Porém, devido a entraves burocráticos, a RGE (concessionária da região) exigiu que houvesse uma atualização no contrato com o DSEI-Isul. Em 27/04 recebemos um protocolo da RGE, que nos informou sobre a confirmação de um pedido de ligação de energia no território Kaingang”

                                                                                    Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)

*A RGE foi realizar a ligação nesta sexta-feira (05), mas um disjuntor estava faltando. A prefeitura vai enviar uma equipe para verificar o que falta. Quando essa parte for arrumada, a luz será ligada.

Saúde educação andam juntas na aldeia guarani 

A comunidade da aldeia indígena Guaviraty Porã viveu por mais de 40 anos às margens da BR-392, onde tinham um pequeno acampamento. Em 2012, o Estado, por meio da Coordenadoria Regional de Educação, juntamente com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a prefeitura conseguiram realocar as famílias que viviam de maneira precária na BR. O espaço concedido era onde funcionava a antiga Fundae.  

  • Junto com a comunidade indígena, ainda em 2012, começou o funcionamento da Escola de Ensino Fundamental, depois passou a atender também o Ensino de Jovens e Adultos (EJA). No início funcionava com uma estrutura de madeira, como a da aldeia Caingangue
  • Em 2015, a escola foi transferida para um prédio de alvenaria, doado pela Secretaria de Educação (Seduc). Atualmente, chama-se Escola Estadual Indígena de Educação Básica Yvyra Ija Tenondé Vera Miri. Atende até o Ensino Médio e conta com 70 alunos. Uma conquista da comunidade guarani 

Saúde e educação andam lado a lado na aldeia. A diretora da Escola, Sirlete Bitencurt, 40 anos, relata que a instituição de ensino é um elo para a comunidade, porque ajuda nas questões de atendimento na saúde e preenchimento de documentação.

– Na educação já avançamos muito. Ano passado, fizemos toda a construção dos itinerários do Novo Ensino Médio junto com a comunidade. Temos uma educação bilíngue e bidocente, até o quinto ano. 

O professor de história e supervisor pedagógico Éder Henriques de Matos, 43 anos, tem muito orgulho de tudo que já foi construído na escola. Nos corredores, os cartazes com trabalhos dos alunos dão orgulho por toda dedicação e amor colocado nas aulas. Para o docente, é com a educação que pode ocorrer uma mudança significativa na sociedade.

Estrutura da Saúde


A Unidade Básica de Saúde Indígena da comunidade atende 130 pessoas. A diretora comenta que os atendimentos com os profissionais estão muito bem organizados, mas a parte estrutural é que está prejudicando o trabalho. O posto não tem eletricidade e nem água. A escola dá o suporte necessário para o funcionamento das atividades da saúde. 

Em 2021, o posto de saúde da aldeia mudou-se para a estrutura atual, que em comparação com a antiga, é maior. No entanto, desde a mudança não tem fornecimento de luz elétrica e água potável. Além disso, alguns moradores que precisam de determinados atendimentos, são enviados para o Pronto Atendimento do Patronato. 

O cacique da aldeia, Afonso da Costa, 47 anos, reconhece que a educação é o diferencial da comunidade e mesmo assim continuam na luta para sempre dar mais qualidade para os estudantes. Na saúde, os profissionais que atendem na Unidade auxiliam muito bem os moradores, mas as condições em que eles atuam precisam ser melhoradas.    

Conforme a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que no Estado a sede se encontra em Passo Fundo, a equipe do Núcleo de Atenção à Saúde Indígena (Nasi) da sede, é composta por dentista, nutricionista e psicóloga, que vai de dois em dois meses nas duas aldeias para atendimento. As comunidades indígenas de Santa Maria têm veículo para atendimento das emergências 24 horas. Não possuem médico na equipe, entretanto há um acordo com a prefeitura para os moradores serem atendidos por médicos do município.

O que dizem os órgãos responsáveis 

“Em relação à aldeia Guarani, aguardamos a concessionária atender ao pedido. O DSEI-Isul (Distrito Sanitário Especial Indígena) é o órgão responsável por manter a energia das Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSI). A RGE tem apresentado entraves burocráticos para realizar as ligações de energia solicitadas pelo DSEI. A Sesai trabalha constantemente para resolver essa questão”

                                                                                Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)

“Na comunidade Guarani levamos água que chega até a entrada da comunidade, que é paga pela Sesai. Mas, internamente e toda a parte de distribuição é com a comunidade. É a aldeia que precisa fazer essa gestão. Às vezes precisa de uma caixa d’água ou uma bomba, mas dentro não é nossa responsabilidade. Para chegar lá sim, fizemos três quilômetros de rede para chegar a água quando a aldeia foi para aquela região”

                                                                                Superintendente regional da Corsan, José Epstein 


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